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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Rio de Janeiro: entre muros e estilhaços

    por Marcel Albuquerque

Flashes registram acenos esperançosos, ao lado de tanques de guerra camuflados e cinzas de uma Brasília 79, posse do Seu Juracyr, cortador de frios da padaria perto do lixão. As manchetes dos jornais mais popularescos e os programas de Tv, em plantão, ecoam para os quatro cantos a ideia de que vivemos um momento histórico: o Estado venceu o tráfico e, triunfante, agora tem sua bandeira tremulada no alto daquele morro. Não é bem assim, mas poderia ser. Aliás, como vi outro dia no Twitter, nada é mentira, mas tudo é exagero.

Nos últimos dias, a expectativa de encerramento do cárcere coletivo em que cidadãos vivem nas comunidades imperou, manifestados em forma de clamores para que balas perdidas parem de encontrar inocentes. Em reação aos atos de banditismo de vândalos, quiçá terroristas – decerto marginais -, coube ao governo enviar tropas de todos os tipos e trazer segurança novamente àqueles outrora esquecidos. Não, senhores, a história não é bem essa.
O Estado moderno nasce sob a égide do medo. Dois são os postulados que fundamentam sua existência: a)todo indivíduo age de acordo com seu auto-interesse, portanto de maneira egoísta; b)se a meta é a segurança, é imprescindível que haja abdicação parcial de liberdade. Pensemos de maneira prática: já que você não quer que alguém tome sua bela casa de praia ou tire a vida de um ente querido, há a necessidade de leis que regulem o que pode e o que não pode. Caso não houvesse proibição, viveríamos em guerra, dada a diversidade de ambições.
Esse conflito bizarro que o Rio de Janeiro (sede da Copa 2014 e Olimpíadas 2016) mostra para o mundo é a explicitação de que não temos realmente segurança. Parece, então, que o Estado tem sido insuficiente em cumprir sua função elementar. Mas não, senhores, ele tem é sido instrumento de determinados interesses.
Todo mundo que é morador da cidade maravilhosa (?) ou arredores viu ou ouviu (alguém que disse que viu) um ônibus queimado. Sabemos, foi o crime organizado em represália à instalação das UPPs nas favelas, que impediriam o trânsito escancarado do comércio de drogas ilícitas – umas podem, outras não. Como não havia de ser diferente (não precisava ser especialista pra prever isso) o tráfico do morro desceu para o asfalto em busca de um último fôlego. Agora, tem gente indagando: “Cadê as UPPs nos asfalto?”. Cassarola, a questão é exatamente oposta! Não é com vigilância que se resolve o problema da violência, porque suas causas são estruturais.
Um teórico da Comunicação, chamado Marshall McLuhan, apregoa que todo meio é mensagem. Seu exemplo é o da lâmpada – que pode parecer esdrúxulo, apesar do quanto é cabível. Ao mesmo passo que ela é um meio de propagação de luz elétrica, também tem algo a dizer: ela foi o advento que permitiu um sem-número de novas relações sociais, desde a redução da produção de velas até o trabalho noturno. Mas que porra de conexão que esse parágrafo tem com o resto do texto? É que o Estado também é meio e mensagem, carrega consigo uma série de fatores. Dizem por aí que o importante não são as coisas em si, mas sim seus usos. Então replico: isso também vale para a produção de armas? A resposta do senso-comum diz que o importante é quem os estilhaços acertam.
O grande fator que provocou toda essa situação não foi um plano mirabolante do serviço de inteligência da polícia, capaz de desmantelar o crime organizado com vistas dos eventos internacionais que promoveremos. Mas sim todo o histórico brasileiro de desigualdade social, que vem desde a divisão de terras das sesmarias, passando pela escravidão e a concentração de renda que vemos hoje. O tráfico nas favelas nada mais é que uma maneira alternativa que alguns indivíduos encontraram para obter sustento e um tanto de luxo. Muito longe de estar defendendo esse tipo de ilegalidade, quero apenas questionar que tipo de realidade é essa que faz com que um indivíduo opte por uma relação custo x benefício tão arriscada. Com oportunidades de ascensão legal tão escassas para essas pessoas, com condições de vida tão indignas, com a ordem do TER acima do SER, com a quantidade de mídias e artes que estimulam a violência, caríssimos, mesmo que não reiteremos a violência, há de se compreendê-la como um caso complexo, não apenas de polícia.
Se tem um jeito de reprimir o tráfico, além da polícia subir o morro? Ah! Neste momento fica difícil. Tomando emprestadas as aspas do sociólogo Luís Eduardo Soares à Carta Capital, em casos de crise tratamos o paciente com os recursos disponíveis, mas é inadmissível esperar que alguém chegue na UTI para pensar a Saúde Pública. Do mesmo modo, ainda que a polícia agora tenha mesmo que fazer seu papel repressor, isso só faz sentido porque o Estado não controla a fronteira nacional como deveria, porque ainda existe produção de armas, porque essas drogas são ilegais (assim, têm que entrar na surdina e não há imposto sob elas) e, sobretudo, porque a igualdade não subiu com o Caveirão.
Na real, desta maneira ou de outra, o tráfico vai continuar existindo. Se houve momento histórico, não foi pelo fim desta face do crime, mas sim pela iminência da sua futura máscara. Agora, o tráfico será velado, sem a necessidade de armas e sem localização tão clara como nas favelas. Acha que não? É só ver como funciona o consumo de entorpecentes nos países mais desenvolvidos.
Que fique o recado: o Estado é meio e mensagem, porque atende a um conjunto de interesses que determinam o conflito que estamos vendo. Portanto, já que ele inventou esse pecado, que agora invente o perdão. E se hoje você leitor está incomodado, saiba: é que os estilhaços acertaram quem não devia. Tsc! O sistema é foda, parceiro.

22 comentários:

  1. problematico esse assunto. nao e tao simples

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  2. Que bom saber saber que o Controle Remoto está de volta.Apesar de gostar do vlog do Felipe Neto,eu sempre preferi ele e o Marcel escrevendo.Perdemos 1,ganhamos vários outros.Boa sorte ao Marcel e a toda equipe.

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  3. Difícil decidir quem tá errado. Você lê "capitães da areia" e torce pelos pivetes, assiste "tropa de elite" e torce pela polícia.
    A culpa é dos governantes, mas somos nós que os elegemos... :/

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  4. Muito bom o texto. É interessante a cobertura midiática, uma propaganda que fazem pro povo "Vejam como é lindo! O povo feliz apoiando! Vejam que maravilhosa a ação do nosso Estado!!" é lamentável. Curti muito o texto, tomara que o blog mantenha esse nível daqui pra frente, porque dificilmente vemos uma coisa com potencial pra ser "pop" como o blog aqui, que trate de assuntos sérios e que tente trazer uma contribuição para a massa e nao só uma zuera ou coisas mais fúteis.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. É, até que fui bem nas redações dos vestibulares da vida. Confesso que entrei na UFF graças a uma narrativa que escrevi! hehe

    Mas, curiosamente, fui mal no texto do ENEM! =P

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  7. Muito interessante a redação e notavel, que redigiu tem uma grande capacidade de intelecto e opinião , uma redação digna de 10 em qualquer vestibular ' Parabéns '

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  8. Enquanto caras como voce acharem que fumar maconha não tem nada demais e cheirar um pouco de coca em baladas também. O tráfico existirá.

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. A legalidade das drogas é assunto pra outro post. Mas o fato é que consumí-las contribui tanto para a existência do tráfico quanto vender bebidas alcoólicas permite que pessoas façam altas merdas por aí.

    E aí, vamos proibir tudo? Bóra?

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  11. Otimo Texto Marcel!

    ps. Nao consigo utilizar de caracteres acentuados nos comentarios do blog.

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  12. Cadê o Forum do Controle remoto ?
    Alguém pode me explicar ?

    Muita gente gostava daquele forum..

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  13. O que me deixa triste são as pessoas aplaudindo isso tudo e elogiando os governantes.. e mais, dizendo uma coisa que me entristece profundamente: "TEM QUE MATAR ESSES BANDIDOS MESMO".. cara, sério, essa forma de pensamento não pode ser humana, como alguém (98% das pessoas que eu conheço) pode pensar assim? Imagina se vc nascesse pobre tivesse de morar na favela e seu filho fosse para esse lado do crime? Não apoio o crime, mas em vez de desejar a morte apenas desejo oportunidades de estudo e condições de uma vida melhor.. a desigualdade social não vai acabar de existir, mas poderia, se o governo quisesse, ser mais equilibrada.. então, parem de aplaudir o governo! Ótimo texto Felipe!

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  14. Ah e desculpa, agora q eu fui ler os verdadeiros donos do blog.. rs. Pensei q era o Felipe.. mas parabéns MARCEL, desculpa meu engano e falta de atenção!!!

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  15. É muito triste perceber que muitas vezes o mundo, o Brasil e a sociedade perdem por causa da violência, resta sempre torcer para que o jogo vire.

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  16. O tráfico não existe por uma questão de consumo apenas, ele existe justamente pela proibição. Eu não sou contra o uso de drogas, confesso que gosto de uma cerva. Pra mim, o problema está na legalização de umas e de outras não. Além disso, o Estado não está nada preocupado com a saúde dos usuários. Se tivesse, investiria em clínicas de reabilitação e principalmente no policiamento das fronteiras, que são os principais acessos das drogas e de armamento ilegal. Em vez disso, nosso governador se preocupa em implantar UPPs que no final das contas só servem para a boa e velha repressão aos menos favorecidos, roubando-lhes a forma de sustento que arrumaram. Definitivamente, não sou a favor do tráfico. Hoje em dia, acho até que ter uma boca de fumo virou questão de poder e não de sustento, mas isso é uma questão que é somente a base do problema, que começou desde 1888, com a libertação dos escravos.
    Eu só sei que essa tentativa de combater a violência provocada pela guerra entre traficantes e policiais não está resolvendo, talvez a solução esteja pautada em outra perspectiva, mas não querem nem saber, porque é mais fácil continuar tirando oportunidades dos marginais - no sentido de à margem -, eles nunca tiveram mesmo

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  17. Historia serve para observar soluções passadas q melhorao problemas presentes!! Tendo em vista isso podemos pegar os escravos, sabemos q depois da abolição a escravidão continuou, e por livre espontanea vontade dos escravos, soh q como ficou proibido suas condições pioraram e o sofrimento aumentou, + ainda continuaram sendo escravo por opção.
    Reflita se as drogas fossem liberadas se q estaria esse caos td nas favelas??

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  18. Esse texto me fez relembrar sobre a admirável músicas de Gabriel O pensador. Mas até quando a gente vai ficar levando porrada?

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  19. Idéias de um recém saído da adolescência que ainda carrega muitas ídéias esquerdistas próprias dessa fase. Leia mais para falar menos bobagem no futuro.
    Tem inúmero países bem mais pobres que o Brasil que nao tem um centéssimo da violência que temos, o probelma não é econômico é cultural. No Brasil ser bandido é visto como algo justificável e até glamuroso. É só ver como Cidade de Deus glamurizou o bandiditismo. Abraços. Kelli w.g.

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  20. Caríssim@ Kelli,

    Tenho 23 anos e sou sociólogo formado. Não apenas escrevi esse texto, como leio muito sobre assunto, já fiz pesquisa acadêmica e trabalho neste contexto.

    Há países mais pobres que o Brasil que não têm nossa violência? Certamente. E eu não falei o contrário em momento algum. Por sinal, concordo que essa questão ultrapassa a economia e adentra na cultura. A violência tem significados estimulantes pr'as subjetividades e pra afirmação em grupo, mas será que esses desejos também não são frutos da desigualdade social?

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