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domingo, 9 de janeiro de 2011

A romantização da vida

 por Marcel Albuquerque

Desde novinho, você aprende que a vida é dividida em etapas. Tudo tem a sua hora, incluindo a felicidade. Estamos sempre em construção, é verdade, mas sempre achei muito estranho esse papo de preparação. Já reparou que a escola é um passo para o vestibular, que por sua vez é para a universidade, que é um passo para a vida profissional? E o mais curioso é que até na sua carreira, quando você supostamente passaria a ser algo – escritor, advogado ou faxineiro – você adia, escreve sua história com uma dificuldade enorme de sair da introdução. Afinal, você está ocupado demais pagando as prestações do carro e da casa para ser logo quem você quer ser. O que você deseja é aproveitar a vida quando estiver velhinho, já aposentado, vivendo num chalé no interior, recebendo seus familiares no fim de semana pra comer bolo de fubá – sem muito açúcar, o corre-corre te trouxe diabetes. É por isso que você engole sapos no escritório e faz vista grossa para os mendigos na rua – você tem o SEU script, os outros não te interessam. Esse individualismo, essa falta de identificação com o outro se deve muito a rigidez dos nossos sonhos. Parece que estamos presos a uma estrutura de roteiro que já é antiquada.
O pior de tudo é que a vida é romantizada – ou romanceada, sei lá – com atores muito distintos para os mesmos personagens. Estimular uma garota da Rocinha, com todas as dificuldades que seus pais têm, a ter um iPhone, assim como tem uma patricinha de São Conrado – tão perto e tão longe -, é o mesmo que colocar o Serjão Loroza pra interpretar a Sininho do Peter Pan. Não cabe – literalmente, neste caso.
Falando em contos de fada, esse é um aspecto absurdamente presente nas nossas vidas. Evidente que hoje em dia beijar na boca foi banalizado e, em muitos círculos sociais, é uma maneira de aceitação, mas ainda tem muita gente sendo criada na lógica das princesas da Disney, tanto pela espera do cavalheirismo na conta paga pelo cara – que, às vezes, é um moleque que pede dinheiro aos pais – como pela espera do par perfeito. Aí, com a nítida necessidade de lidar com as imperfeições do seu príncipe-plebeu, as meninas fantasiam, escondendo de si mesmas suas insatisfações e a desconfiança das traições – o homem trai mais exatamente porque fantasia menos.
A escolha da profissão, por exemplo, é um momento delicadíssimo, uma vez que essa sociedade tem pressa - pra chegar a lugar algum – e, por isso, constrói especialistas, que sabem quase tudo sobre quase nada. Só que a opção não é feita de acordo com a necessidade do indivíduo ou da comunidade, mas sim de acordo com os sonhos. O que só se torna um problema quando a idealização está atrelada a algo muito específico e distante. Existem mil casos para me desmentir, mas é leviano fazer Música na unívoca esperança de tocar com o Chico Buarque ou Engenharia Mecânica acreditando que você estará no Pit Stop da Ferrari. Soa bizarro isso? Mas o pHoda é que as pessoas fazem escolhas o tempo todo baseadas em pilares como esses.
As ideias de vida eterna e reencarnação não fogem deste contexto. Como o final tem que ser feliz – ou coerente – as pessoas boas merecem uma recompensa ao fim da vida ou uma nova chance na próxima, já que uma vida só não satisfaz. Chegamos a construir, na retrospectiva da narração de nossas próprias trajetórias, uma rede coerente na explicação dos fatos. Uma foto despretensiosa de um molequinho com um carrinho dos bombeiros que, por outras mil questões acabou virando realmente bombeiro, será inevitavelmente associada à predestinação. Diz o filósofo bigodudo pop Nietzsche (é assim que se escreve?): “Torne-se o que você é”.
Tudo bem, eu confesso, eu também atuo na vida real, mas me esforço, sobretudo, para ser autor dos meus caminhos. Por isso, não sou preso aos roteiros tradicionais e tô sempre disposto a quebrar a claquete quando discordo de algo – porque não tenho o compromisso de ser o que os outros querem. Não aceito ser figurante da minha própria história, mas não vivo em função de ser o principal de tudo, de maneira megalomaníaca. Como não me vejo acima, tento sempre compreender os atos alheios, porque a ignorância ou a negligência do outro é filha da supervalorização de si mesmo.
Valorizo, de verdade, é o processo. Dou significado ao ato e não só à consequência dele, vislumbrando onde vou parar. Penso se estou colaborando para ser quem eu quero, não apenas no amanhã, mas se o que sou hoje me satisfaz. Não deixo o sentido que dou às minhas coisas sobrepujar as dos outros. O fato de ser desimportante para mim ir numa missa de sétimo dia não faz com que eu desvalorize isso para terceiros e, em alguns casos, pode até ser que eu vá em uma – putz, péssimo exemplo, tomara que eu não seja convidado tão cedo pra algo do tipo.
Não romantizar a vida não implica deixar de ver poesia nela. Sempre que penso na quantidade de eventos que ocorreram para que eu fosse exatamente eu, autor deste texto, e você, leitor dele, e no imenso grupo de outras possibilidades que não ocorreram, me dou conta do quanto a vida é imensa e de que não preciso de gnomos para achar um jardim bonito.
Portanto, não perca tempo com máscaras ou palcos, crie ou aceite alguns sentidos para os seus rumos e viva a vida real. Afinal, lembre-se, as pessoas de verdade têm uma vidinha só, não chegam de cavalo branco, não usam capas vermelhas e não andam ao som de Bossa Nova pelas ruas da Zona Sul do Rio de Janeiro.



Tá, vai, agora pode aplaudir.



FIM

15 comentários:

  1. Poxa vc conseguiu fazer uma vida toda parecer um saco,quase fiquei deprimido lendo isso, mas oque me assusta e que não deixa de ser verdade

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  2. Sabe qual o meu grande sonho? O meu sonho é chegar aos meus 60,70 anos de idade e sentir que meu dever foi cumprido, viver.

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  3. hn, vcs podem falar qual de vcs é o autor desse? adorei e queria conversar a respeito? existe alguma forma de contato ou algo do tipo?

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  4. Tá, eu quase aplaudi ao seu comando.. (só que ia parecer meio estranho para quem está do meu lado)
    amei seu texto! "diferentes atores querendo ser um mesmo personagem" isso é realmente muito verdade, nao importa o quanto as pessoas sejam diferentes no final todas querem a mesma coisa.
    e também isso das pessoas sempre projetarem o futuro delas e se desligarem do presente. Eu acho tão importante as pessoas se ligarem mais ao presente do que ao futuro. nao estou dizendo que nao precisamos pensar no futuro,nao, o que eu quero dizer é que a nossa vida nao pode perder o sentido, nós nao podemos viver em funçao só do futuro, a ponto de que se morressemos agora, tudo perderia o sentido.
    sem falar no individualismo das pessoas! uma história nao é feita só de um protagonista - a nao ser que seja a historia do Narciso. a historia pode ser sua, mas as pessoas que sao importantes pra vc tbm passam a ser protagonistas, e pensando de forma mais abrangente até as pessoas que nao convivem, que vc nem conhece, tbm fazem parte dessa historia, sao autores como vc...pois como vc disse no seu texto tudo parte de um conjunto de eventos e acaba nisso que somos hoje.
    Enfim...esse foi o melhor texto que eu li aqui no blog até agora! (e eu li todos!)
    parabéns!

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  5. Anônimo... o nome aparece lá em cima do texto. Sou eu, Marcel Albuquerque, quem escreveu. Se quiser trocar ideia sobre qualquer assunto, preencher nosso formulário de contato ou enviar e-mail direto para controle-remoto@hotmail.com!

    ;)

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  6. Barbara,esse é o tipo de comentário que faz escrever mais e mais. Independente do quanto se concorda, o legal é observar que o leitor refletiu sobre as questões que expus.

    Maneiro, maneiro...

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  7. De fato romantizamos a vida real. Nos iludimos com "historinhas medíocres". E até chegamos a acreditar que O Principe Encantado possa existir. E por quê não, talvez, até exista. Mas não dá maneira que suponhamos. Por que o "principe" com certeza mastiga chiclete, enrola o cabelo, coça o saco e diz palavrões quando irritado. Mas hoje em dia, ESSE É O PRINCIPE ENCANTADO. O lance é que a maneira a qual nomeamos os nossos desejos não explica o que esperamos. E eu gostei do texto - o que eu disse anteriormente não fora uma critica. É que, ou seremos realistas demais ( e filhos de uma puta vida de nada) ou então viveremos àquilo que realmente importa pra cada um. Pois meus sonhos não são os sonhos de ninguem, sao apenas meus!
    Como voce mesmo disse, "Não romantizar a vida não implica deixar de ver poesia nela."
    Enfim, não faço ideia se me expressei de maneira correta, mas eu disse...

    Até a proxima!

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  8. Maneira a sua abordagem, Marcel... e como o amigo do primeiro comentário disse, dá uma pontinha de depressão ler o texto e descobrir que tudo aquilo que você fala É verdade e que, na maior parte das vezes, a gente acaba projetando tanto as nossas vidas e nossos sonhos para o futuro que se esquece do hoje e do agora, se esquece de que tudo é um processo que começa no agora e não se concretiza no depois em um passe de mágica. Passar a vida toda comendo carne de pescoço pra poder desfrutar de filé mignon no fim da vida não me parece uma das ideias mais brilhantes da humanidade.

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  9. Isso me faz refletir sobre a mesmice da vida. Nascemos, crescemos, aprendemos, trabalhamos, construímos uma família e morremos. Embora às vezes esses fatos ocorram em ordens diferentes ou alguns nem ocorre como o aprendizado ou a construção de uma família. Um dia desses eu perguntei a uma amiga qual eram os planos dela para o futuro e ela me respondeu que se formaria em medicina, iria para tal lugar, faria isso e aquilo, construiria uma família e etc. Ela também me perguntou quais eram meus planos para o futuro e eu respondi que amanhã eu ia acordar e tomar café. E até hoje esses ainda são meus planos para o futuro. Se vivermos o presente pensando o que faremos ou como vai ser o futuro, nós nos esqueceremos de viver o hoje, o agora. Por outro lado, se não planejamos o que faremos no futuro, corremos um grande risco de tudo falhar, mas o que seria de nós se não fossem os nossos erros?

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  10. Tem tb a questão da gente não virar um grande "explodidor" do mundo alheio e ao ver esses sonhos q as pessoas tecem (ou compram) se perguntar o q isso diz delas! Tá, vai! É uma pergunta meio psicológica mas... é válida!
    hehehe
    Por que elas compram essas idéias tão facilmente? A questão não é deixar d sonhar mas conseguir se perguntar por que é assim... Acho q só tomando certa distância é q ao invés de ser capturado vc pode ser mais autor da sua história (não finjamos tb q a margem d liberdade é infinita).
    Eu não vou fingir q não me emocionaram certos contos d fada, mas realmente, eu não os encontrei na minha vida até hj! hahahaha Acho q o problema é quando o sonho só gera frustração mesmo! Te incapacita de resignificar sua vida e reconstruir conceitos. Amigo nosso já me falou q eu sou mt niilista, "quero agir como se não houvesse uma construção sociológica do homem e da mulher". Esse ponto tb é importante. como Foucault ja dizia, não é só porque os conceitos foram criados q eles não existem. Existem sim. E saber q foram criados só me ajuda a perceber q eu tb posso recriá-los.
    Acho q pensar assim as vezes nos deixa mt só, realmente... mas vc poder ser diferente no mundo ao invés d se sentir um estrangeiro já é grande coisa! E respeitar quem quiser sofrer tb é importante senão vc acaba trocando uma frustração (a de ser triste) por outra (a de se perder na desilusão)! hehehe
    Eu Tb creio q tem gente q acredita em deus e q é mais feliz q eu, e q realiza coisas... O grande lance pra mim é ver como habitar o entre: entre o q eu acho e o q o outro acha. Vc falou algo parecido. Não é necessariamente inverter as coisas senão a gente cria outros preconceitos.

    bjos! Adorei o blog!

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  11. Não acrescentaria nem uma vírgula... O texto está fabuloso!

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  12. Eu gosto de romantizar a vida. Pra mim a vida é uma imensa crônica, e é escrevendo-a que mais vale ser uma boa autora. Gosto dos duendes e fadas que aparecem nela de vez em quando e transformam meu dia num passe de mágica. Afinal, mágica e magia são tudo o que é singelo. E eu gosto da ver a tênue linha da realidade balançando ao sabor das criações. Como nada se cria e tudo se transforma o tempo todo, a dureza fugidia da realidade e das necessidades não se justifica e nem existe, a não ser que você a queira. Acho que o mundo é o que é, mas o de cada um, é o que se quer ver.

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  13. Simplesmente fantástico o seu texto... não tem muito o que comentar. É isso aí e pronto. Nem mais, nem menos.
    Ah, descobri o blog hoje e tô adorando. Considere-se aplaudido :)

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  14. Cara, gostei tanto do seu texto que botei um link no meu Tumblr. Espero que não tenha problema em fazer isso.

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  15. Gosto muito de visitar o seu blog...sempre atualizado. Parabens!

    Li "A romantização da vida" e achei 10 o texto.

    A vida é uma caixinha de surpresas que por mais que planejamos o amanhã nem sempre começa e termina como queremos.

    Sabemos de uma coisa!! queremos construir uma vida digna aonde o nosso fim vai ser igual aos das novelas ou até igual aos contos de fadas enfrentando altos e baixos mas sempre com um final feliz!!

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